Mas gostei muito desta ideia, da expressão «tiraste-me as palavras da boca» e da noção de alguém que queria escrever uma carta (de amor) tão grande e mágica que tinha literalmente tirado as palavras das bocas de todo o mundo. Foi com essa ideia inicial que esta letra começou.
Depois estiquei a ideia.
Se este narrador escreveu a maior carta (de amor) de sempre e não obteve resposta, e se tinha escrito a carta utilizando palavras que tirou das bocas de toda a gente, vem daí que poderá ter sido porque tendo tirado as palavras das bocas de toda a gente também tirou as palavras da boca de quem recebeu a carta. Se a personagem tirou as palavras das bocas de todo o mundo, então agora eles já não (lhe) podem falar, donde segue que quem recebeu a carta também não.
Mas ganha-se também ainda um duplo significado da expressão «já não me diz nada», o que, como já terás compreendido, muito me agrada. O mundo «já não diz nada» ao narrador no sentido em que o mundo «já não lhe interessa», mas no verso seguinte entende-se melhor que não foi só isso que aconteceu: o mundo (i.e., as pessoas no mundo) deixaram literalmente de lhe dizer coisas, simplesmente como resultado do passo de magia que ele terá utilizado para lhes roubar todas as palavras das bocas com o intuito de utilizá-las para – num gesto egoísta e megalómano – «enfeitiçar» quem receberia a carta.
Os versos seguintes apenas servem para sublinhar estas ideias e finalizar com a confissão de arrependimento, embora não se perceba exactamente se o arrependimento perdura ou se foi temporário, uma vez que a expressão «já me arrependi» poderá ter subjacente a ideia «já me arrependi para sempre» ou a ideia «já uma vez me arrependi» ou «já houve momentos em que me arrependi». Não é tornado claro.
Depois da canção feita tive alguma pena de não ter esticado a ideia um pouquinho mais, porque ainda imaginei que o narrador poderia ter tirado palavras de toda a parte, não só das bocas das gentes mas dos escaparates, dos livros, dos jornais, dos reclamos, das legendas dos filmes, dos sites, o que sublinharia ainda mais a noção de «o mundo não mais lhe dizer algo»: o autor literalmente andaria pelo mundo sem ver coisa alguma escrita porque tinha, por feitiço, utilizado todas as palavras do mundo e não tinha deixado uma que fosse. Isto traria à história uma enfatizada sensação de solidão por parte do narrador, que agora se via num mundo onde nada nem ninguém comunicava com ele.
Um narrador que, num gesto egoísta, tinha utilizado de alguma espécie de truque mágico ou tecnológico para conquistar alguém por quem nutria afeição para que talvez lhe acalmasse um qualquer sentimento de solidão, mas que pela má intenção do seu gesto o tinha visto sair-lhe pela culatra e ter o efeito exactamente oposto de o isolar completamente de tudo e todos. ®
lyrics
Tirei palavras das bocas toda a gente
Para escrever-te a maior carta de amor de sempre
E o mundo agora já não me diz nada.
E tu também não.
Nessa ganância de usar todas as palavras
Não me lembrei de deixar algumas para ti
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