Eu sinto que não encontro a minha voz.

Em quase todos os músicos e cantores de que gosto muito eu vejo algo de especial nas suas vozes. Sinto que é preciso ter uma voz diferente, uma forma de cantar, de colocar a voz, de pronunciar, algo que diferencie a voz deles das dos outros figurativa e literalmente. Por vezes é simplesmente aquela a voz da pessoa, por vezes há um esforço deliberado para transformar a voz normal numa voz cantada diferenciada.
Há bandas das quais até gosto muito mas que sinto que seriam muito mais interessantes com uma voz mais notável, como acontece com os Capitão Fausto, por exemplo, e há bandas das quais gosto muito em que sinto que isso muito se deve à voz do(s) vocalista(s), como os Nirvana, os Kings of Leon, os Coldplay.

Mas a minha voz sinto-a algo genérica, inconsequente, indiferente, inofensiva. Não sou nenhum Kurt Cobain, ou Eddie Vedder, ou Michael Jackson ou Stevie Wonder ou Prince ou Chris Martin ou Nat King Cole ou Louis Armstrong.

Os exemplos do Prince e do Michael Jackson trazem-nos até canções como esta. Às vezes penso: será que «a minha voz» seria em falsete? Será nesse registo que vou encontrar a minha voz?

Bem, se calhar não. Dá-me a impressão de que a cantar em tons mais agudos a minha voz perde harmónicos que são o que talvez a torne interessante quando canto baixinho e em tom normal (mas não percebo nada disso e posso estar a dizer disparates). Mas aqui ficam as tentativas, tanto nesta como na «Voltar p'ra casa».
A voz pode não ficar «mailinda», mas de qualquer forma sinto mais facilidade em fazer certos trejeitos e certas mudanças de tom rápidas quando canto em tons mais agudos, o que aqui por vezes até correu bastante bem.

Talvez a minha voz seja aquela que eu tenho e que me custa a aceitar, doce, incerta, rudimentar, algo descontrolada mas ao mesmo tempo certeira, que deixa literalmente ouvir o bater do meu coração porque muda de intensidade quando ele bate. Talvez deva aceitar que mais vale ser cantor de baladinhas, que se calhar é isso que sou.

Quase estive para deixar esta canção de fora deste álbum por tudo isto, mas foi-me insinuado que esperavam que eu publicasse todas as que tinha publicado no Instagram, o que fez com que me sentisse culpado de deixar algumas de fora. Ainda assim não estão aqui mesmo todas, mas tive de tomar uma decisão executiva.

Esta canção foi feita dentro do meu carro, no topo de um monte com vista para as terras à volta, durante uma pandemia isoladora, depois da meia-noite e depois de (pela quarta vez) ter chorado (desta vez desalmadamente) de ter ouvido a «Barcelona» do Freddie Mercury e da Montserrat Caballé, ainda não sei bem exactamente por quê. Acho que isso explica a letra toda. ®