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Por vezes fico com um determinado estilo de música na cabeça.

Por exemplo: pode acontecer ouvir uma canção jazz e ficar com a frase predominante, o ritmo, a sequência de acordes na cabeça, e depois, como não decorei a música mas decorei a base dela, dou por mim a cantarolar secções improvisadas dessa música.
Às vezes simplesmente me lembro de uma melodia qualquer que me fica na cabeça e dou por mim a expandi-la.

Neste caso, estava a pensar em musicais. Vinha de carro para casa e vinha a pensar em canções destas, pequenas baladas, como que tiradas de um filme musical animado ou de um teatro musical, e um pouco como a canção do Salvador Sobral e da Luísa Sobral, a «Amar pelos dois», que na altura me deu imediatamente essa sensação de parecer tirada de um filme musical de animação da Disney.

Quando cheguei e estacionei, fiquei no carro a improvisar uma destas canções, a testar a minha voz, ver até onde chegava, e a testar… aquilo que no fundo é a minha memória, a memória de certas sequências de notas comuns, mas também a minha capacidade de talvez pegar nelas e cantar qualquer melodia que talvez seja nova por cima delas. Porque eu sei muito pouco de música, é tudo só memória, ouvido, atenção, instinto, intuição aprendida.

Estava a achar piada a esta melodia que fui desenvolvendo, e fui gravando no telemóvel os rascunhos, como também tantas vezes faço.

A certo ponto, senti-me satisfeito com a melodia, e ali fiquei no carro a insistentemente cantarolar esta melodia porque atingia notas graves com a voz que me agradavam, e porque é uma melodia bonita.
«Devia arranjar uma letra para esta melodia», fui pensando.

A letra não saiu facilmente.

Saiu, na verdade, a conta-gotas, quase que palavra por palavra.

Eu não tinha nada planeado, não sabia o que ia dizer, não tinha decidido do que iria falar: apenas fui cantarolando e esperando que me viessem palavras à cabeça.

Neste dia tornei-me consciente de como por vezes uso uma regra de três para fazer isso.
É que a verdade é que as palavras que me vêm à cabeça são quase sempre de qualquer forma palavras que já ando a utilizar muito, palavras que me estejam muito na mente. E como andava a fazer várias músicas assim todas de seguida, muito cedo reparei que utilizava muito as mesmas palavras nas várias letras.
E então, cantarolando esta melodia insistentemente, a primeira palavra que me vinha à cabeça era muitas vezes algo que achava que já estava a utilizar demasiado, ou que tinha utilizado numa canção anterior, ou que simplesmente utilizava muito em geral. Como queria algo mais novo, rejeitava essa primeira palavra.
E continuava a insistir, a cantarolar, a pensar na métrica, a esperar pela palavra certa. E vinha-me uma segunda palavra. Mas, também quase invariavelmente, a segunda palavra também não me satisfazia, desta vez não porque andava a utilizá-la muito, mas porque era uma escolha talvez óbvia, fácil, comum. Como tal, tinha de continuar a cantarolar e esperar, e só a terceira palavra é que finalmente me agradava. Uma regra de três.

Isso aconteceu constantemente. Fazer esta letra foi como esperar que mel muito espesso escorresse todo de uma colher. Mas, verso a verso, fui quase literalmente descobrindo as palavras e acrescentando à gravação do rascunho no telemóvel.

No final, quando depois de um bom tempo a insistir nesta descoberta já tinha aquilo a que poderia chamar-se uma letra, algo que fizesse alguma espécie de sentido – esta letra –, decidi então gravar um rascunho de uma assentada só, com a letra toda, tentando decorá-la. Foram precisas umas três ou quatro tentativas para saber tudo de cor.

Quando finalmente sabia tudo de cor e finalmente consegui cantar a música naquela que seria a gravação final do rascunho (!) fui inesperadamente atingido pelo significado da letra no último verso (ainda não havia repetição) e não consegui acabar de cantá-lo porque fiquei com aquele engasgo de quem vai começar a chorar.
A letra que fui descobrindo emocionou-me! Emocionei-me a mim mesmo. Com uma ideia de uma coisa com a qual até nem parecia que me identificasse!

No momento não percebi porque é que tinha ficado assim engasgado e emocionado com isto, mas mais tarde, prestando renovada atenção à letra, entendi esta como sendo mais uma mensagem de mim para mim mesmo. Porque talvez eu seja assim, tenho um bocado este hábito de transformar tudo em bom, e isso muitas vezes parece sair-me com muita facilidade e naturalidade; mas a verdade é que tudo requer esforço (tudo é trabalho), mesmo quando nos sai com naturalidade, e esse esforço cansa, e de alguma forma trai-me a natureza vagarosa. Afinal de contas, nasci no Alentejo, e também sou um pouquinho alentejano por afinidade familiar.

Enfim. Não queria aborrecer-te com conversas destas, e não me sinto inteiramente confortável a partilhar isto contigo; mas precisava de contar isto a alguém, que não é o tipo de coisa que se possa contar a qualquer pessoa em qualquer momento, e achei que devia fazê-lo aqui, porque é muito giro julgar uma canção só pelo que ela é e ignorar completamente tudo o resto, mas ganhar uma apreciação por ela com o acrescento da perspectiva do autor também tem o seu valor, e haverá por aí gente que dará valor a isto e eu não quero privá-los deste pedacinho de mim que poderá dizer-lhes algo acerca deles e poderá ajudá-los nas suas próprias vidas.
Um gajo também chora. Um gajo também se emociona com coisas parvas.

Eu simpatizo comigo mesmo, e isso é bom.

Mas não deixes que isto faça com que deixes de interpretar a canção como parece ser mais óbvio: uma declaração que alguém fez, dirigindo-se a outra pessoa, dando conta de que aprecia o esforço continuado dessa outra pessoa em viver num mundo que às vezes pode parecer perpetuamente mau transformando tudo aquilo em que toca em bom e assim melhorando as vidas de quem o/a rodeia. Talvez uma figura parental, ou um(a) parceiro/a especial. Acho que seria uma mensagem bonita. Também acho que foi por isso que me emocionei, porque consegui empatizar com essa hipotética pessoa.

Arre porra, que me emocionei de novo só de explicar isto. ®

lyrics

Simpatizo com esse olhar
de quem cala o seu vagar
na rotina de transformar o mau em bom.

Adormeço em teu lugar.
Sei que ficas a matutar,
«como é que eu hei de transformar o mau em bom?»

E a janela dos sonhos
abriu-se para mim:
um mundo em que não tem de ser assim.

E a janela dos sonhos
abriu-se para mim…
um mundo em que não tem de ser assim.

credits

from N​ã​o é remela, é o brilho dos meus olhos, track released May 14, 2020

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Ruben David Marques Leiria, Portugal

Ruben David Marques é um artista que desafia rótulos. Ainda no outro dia o vi refilar com o duma garrafa de refrigerante.

Nunca resiste a descolá-los.

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