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Noutro dia partilhei com o Miguel Saturnino uma publicação do Instagram do mesmo artista/compositor/músico que cria grandes instalações sonoras com simples pequenos motores eléctricos que têm presas coisas que depois fazem barulhos com a rotação que os motores lhes imprimem. Neste caso não eram longas varas metálicas que com as rotações lentas batiam umas nas outras, criando um som que faz um pouco lembrar os sinos que põem ao pescoço das vacas: eram pequenas peças de talvez plástico flexível ou borracha que parecem um pouco ter a forma do acessório de bater claras duma batedeira eléctrica, e os motores rodavam rapidamente e estavam presos a caixotes de cartão, pelo que desta vez o barulho era o de peças de borracha ou plástico a bater repetidamente em caixotes.

Desta vez ele respondeu-me simplesmente: «claras em castelo infinitas».

Eu senti-me mal.
A minha intenção não era a de fazer mais uma música com a resposta dele, era mesmo só a de mostrar a curiosidade das obras deste artista porque achei que ele iria apreciar. Na verdade nem queria que ele respondesse qualquer coisa, porque sentia que isso faria pressão sobre mim, e partilhei essa publicação com ele já com algum receio disto. Ele sabia que eu tinha feito a outra canção a partir do título que ele involuntariamente me tinha fornecido, e não sei exactamente se tentou responder de forma semelhante por algum motivo, para me ajudar, ou para me desafiar, ou porque terá aceitado isso como um desafio para ele; mas a verdade é que respondeu.

Inicialmente rejeitei silenciosamente a ideia. Não queria estar a tornar isto num hábito. Achei que isso retiraria o valor da serendipidade da situação anterior, achei que isso não devia voltar a acontecer, que provavelmente nunca seria tão bom, porque sei por experiência que a magia de determinados momentos não se deve tentar repetir.

Mas a porcaria da frase ficou-me entalada! Não consegui evitar sentir aquilo como um desafio, e mesmo sem querer julgo que fiquei a pensar em que música seria essa que eu faria com a frase «claras em castelo infinitas».
E lá devo ter feito as associações: claras → ovos, ovos → partidos; ovos partidos → a expressão (que julgo conhecer inicialmente do inglês) «não pôr os ovos todos na mesma cesta», porque se corre o risco de se partirem todos e depois não sobrar nenhum; muitas claras → receitas feitas com muitas claras → suspiros; suspiros → devido aos ovos desafortunadamente partidos.

A letra evolui por aí.

Em relação à música, eu andava a pensar em fazer uma canção em que o acompanhamento fosse mais minimal e poderoso, mais uma vez inspirado por algumas canções dos Nirvana, mas também por outras canções, canções que têm grandes secções em que só se utiliza um ou dois acordes em repetitiva sucessão ritmada, porque isso traz alguma força às canções e porque isso é mais desafiante para criar a melodia que se canta por cima, já que, pelo menos para mim, quando há vários acordes a melodia apenas tem de mais ou menos segui-los, mas quando há só um ou dois torna-se mais desafiante criar uma melodia por cima deles, isso requer mais criatividade.
Infelizmente, como não sou tão criativo como gostaria de pensar que sou e como tinha uma base na letra que impunha versos ligeiramente mais longos do que é costume nas minhas canções, descambei em quase só ler a letra dentro do ritmo, sem estar exactamente a cantá-la, quase como que a declamar poesia, ou como que a «rappar». Isto imprimiu um certo tom de Bob Dylan à canção.
Tudo bem. Mais vale não se pensar muito mais nisso.

A espécie de refrão consistindo só numa palavra que serve de resposta e de mote também achei que teria graça, e percebo então que a forma falada de entregar a letra pode ganhar aqui a sua verdadeira força numa determinada atitude que se adequa à letra, uma adequação teatral, e na introdução (apenas óbvia) de literais suspiros aquando da entrega do refrão.

Depois tenho de esticar mais a ideia, e aqui entra a pesquisa: aparentemente os suspiros levam sumo de limão ou de lima, e imagino que isso será porque o ácido ajuda as claras a manter a estrutura (talvez isto não seja verdade, mas agora já não interessa) e porque dá um pouco mais de aroma à receita. Também precisam de açúcar, além do ácido, naturalmente; e não se utilizam as gemas, que se utilizariam para se fazer ovos mexidos, mas não para fazer suspiros. E se não podemos colocar os ovos todos na mesma cesta com medo que se partam, talvez também não quiséssemos os ovos mexidos, mesmo que não partissem.

A expressão dos ovos na cesta traz-me depois à mente outra expressão inglesa que poderemos relacionar com ela, a de «não chorar sobre/pelo leite derramado». Mais uma vez pareço tentar introduzir um final em que denoto um certo optimismo, uma tentativa de melhorar a moral da história, de ser mais positivo, mesmo que mantendo aquela atitude de quem sabe que as coisas são más. São más, mas pronto, não deixemos que isso se torne no nosso ponto focal.
E o que poderia ocorrer se chorássemos pelo leite derramado, ou literalmente «sobre» o leite derramado? As lágrimas cairiam sobre ele e isso teria alguma espécie de efeito. Talvez coalhassem o leite?

Não, bem sei que não. O que coalha as proteínas do leite são os ácidos, e as lágrimas, como todos sabemos, são salgadas, o que significa que são uma base e não um ácido. Portanto no máximo salgamos o leite e, consequentemente, o que quer que fizéssemos com ele.

Mas no fim há sempre os suspiros. Sim, tudo bem: não choremos pelos ovos partidos, pelo leite derramado; mas quem é que nos poderia censurar um suspiro?
Eu não vo-lo censuraria.


Na gravação desta canção foi a primeira vez em que me quis dar ao trabalho de gravar a guitarra e a voz separadamente pela facilidade que isso poderia oferecer na edição, pela potencial melhor qualidade da gravação, e também pela acrescida facilidade de ter tentativas bem sucedidas de execução da música, porque assim podia concentrar-me numa coisa de cada vez e talvez perder menos tempo a tentar fazer «takes» bem sucedidos de tudo duma vez só.

Isso nota-se um pouco na qualidade do som, mas infelizmente como (pelo menos ainda) não sou muito bom a masterizar, também significou que a canção ganhou uma característica sonora muito diferente da das anteriores que talvez não tenha sido necessariamente melhor. ®

lyrics

Não ponhas os teus ovos todos na mesma cesta,
Não vá haver muita agitação na tua vida.
Acabas com claras em castelo infinitas.
E depois o que é que fazes com isso tudo?

Suspiros.
Ai, suspiros.

Mas falta doçura, tens de lhes juntar açúcar;
E sumo de lima estabiliza a estrutura.
É sempre preciso acidez nas nossas vidas.
Esperemos que as gemas não se intrometam
Que não queremos ovos mexidos.

Aaai, suspiros.

Não chores mais sobre o leite que foi derramado,
Não vão as lágrimas coalhar a proteína.
Tens toda a razão, as lágrimas são bem salgadinhas;
No máximo salgas as «natillas».

Suspiros.
Aaaaaai, suspiros…

É o que acontece com os ovos todos metidos na mesma cesta:
Suspiros.

Os ovos partiram-se?
O leite derramou-se?
Suspiros.

credits

from N​ã​o é remela, é o brilho dos meus olhos, track released May 21, 2020

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Ruben David Marques Leiria, Portugal

Ruben David Marques é um artista que desafia rótulos. Ainda no outro dia o vi refilar com o duma garrafa de refrigerante.

Nunca resiste a descolá-los.

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